Características > Gagueira: ameaça ou desafio?

Sandra Merlo
Fonoaudióloga
Instituto Brasileiro de Fluência - IBF


Slides da apresentação no II Fórum Científico IBF-UFRJ.

Sofrimento em relação à gagueira

É comum ouvirmos relatos de pessoas que referem um grande sofrimento em relação à gagueira. Nestes casos, pode haver dificuldades para assumir ou aceitar a gagueira, sentimentos de medo e de vergonha por gaguejar, frustração com o grau de fluência e fuga de situações consideradas desagradáveis (Alm, 2004; Guitar, 1997; Prins, 1997).

Mas também ouvimos relatos de pessoas que referem pouco sofrimento em relação à gagueira. Nestes outros casos, geralmente não há dificuldades para assumir e aceitar a gagueira, há pouco medo e pouca vergonha por gaguejar, ocorrem poucas fugas de situações desagradáveis e, até mesmo, a gagueira pode ser percebida como um estímulo a mais para ir em busca dos sonhos.

Afinal, o que diferencia pessoas que sofrem muito de pessoas que sofrem pouco com a gagueira? O que a literatura científica tem a dizer sobre maneiras de lidar com dificuldades?

Formas de lidar com as dificuldades

Desde a década de 1970, a psicóloga Carol S. Dweck estuda como as pessoas lidam com dificuldades, erros ou fracassos.

Os sujeitos das pesquisas geralmente apresentam atitudes muito semelhantes frente ao acerto em relação às estratégias cognitivas, ao afeto positivo e ao comportamento de busca (Diener & Dweck, 1978, 1980).

Entretanto, com o início das dificuldades, dois padrões de cognição, afeto e comportamento emergem rapidamente: a resposta de desamparo e a resposta de orientação para maestria.

Frente às dificuldades, os sujeitos que exibem resposta de desamparo tendem a apresentar (Diener & Dweck, 1978, 1980):

  • Cognição negativa em relação à inteligência, à memória e/ou à resolução de problemas, ou seja, os sujeitos começam a não se achar inteligentes o suficiente, referem não lembrar os procedimentos necessários à tarefa ou referem que não são bons para resolver problemas. Os sujeitos também tendem a não fazer previsões positivas sobre a situação. Além disso, acertos e sucessos anteriores parecem ser esquecidos.
  • Afeto negativo, sendo comuns o aborrecimento com a tarefa e a ansiedade com relação ao desempenho.
  • Verbalizações de natureza enaltecedora, havendo citação de habilidades em outras áreas. Os sujeitos com resposta de desamparo parecem ter a necessidade de amparar a imagem quando se deparam com dificuldades, além de deixarem de se concentrar no problema a ser resolvido.
  • Redução do desempenho após fracassos sucessivos, com grande probabilidade de começarem a adotar estratégias cognitivas inferiores à faixa etária.

Por outro lado, os sujeitos que exibem resposta de orientação para maestria tendem a apresentar (Diener & Dweck, 1978, 1980):

  • Cognição positiva, ou seja, pensam em outras hipóteses, monitoram os resultados, concentram-se e esforçam-se mais. Tendem a fazer previsões positivas sobre a situação (Já fiz isso antes. Posso fazer de novo).
  • Afeto positivo, acreditando que são capazes de resolver os problemas propostos e demonstrando apreciar o desafio.
  • Ausência de verbalizações de informações não-relacionadas à tarefa.
  • Manutenção ou aumento do nível das estratégias cognitivas. A maioria dos sujeitos mantém o nível das estratégias cognitivas. Entretanto, aproximadamente 25% dos sujeitos aumentam o nível das estratégias cognitivas, ou seja, ensinam a si mesmos estratégias mais eficazes.

Desta forma, fica claro que sujeitos com padrão de desamparo e com padrão de maestria reagem de forma muito diferente quando estão enfrentando dificuldades. Mas por quê?

Estudos posteriores demonstraram que respostas diferentes provêm de metas diferentes.

Sujeitos com resposta de desamparo tendem a adotar metas de desempenho. Desejam provar sua habilidade, mostrando suas adequações e escondendo suas inadequações. Os sujeitos precisam responder à pergunta: Minha habilidade é adequada ou inadequada? Os resultados fornecem a resposta: os acertos indicam que a habilidade é adequada, enquanto os erros e as dificuldades indicam que a habilidade não é adequada. É justamente a sensação de inadequação que elicia a resposta de desamparo (Elliot & Dweck, 1988).

Sujeitos com resposta de maestria tendem a apresentar metas de aprendizagem. Eles desejam aumentar sua habilidade, vendo as situações como oportunidades para crescer. Eles procuram responder à pergunta: Qual é a melhor forma de aumentar minha habilidade? Mais uma vez, os resultados fornecem a resposta: os acertos indicam que o sujeito está no caminho certo, enquanto os erros e as dificuldades indicam que ele não está no caminho certo para aumentar sua habilidade e que, portanto, deve procurar outro caminho (Elliot & Dweck, 1988).

O significado de dificuldade é muito diferente para os dois grupos. Para os sujeitos com metas de desempenho, dificuldade significa fracasso. Para os sujeitos com metas de aprendizagem, dificuldade significa informação (Elliot & Dweck, 1988).

Da mesma forma, o esforço é interpretado de forma diferente pelos sujeitos dos dois grupos. Para os sujeitos com metas de desempenho, o esforço é prova da pouca habilidade. O grau de esforço é entendido como inversamente correlacionado com o grau da habilidade, ou seja, se é necessário empregar muito esforço em uma tarefa, é porque não se é hábil nela (independente do resultado). Para os sujeitos com metas de aprendizagem, o esforço é o caminho para alcançar os objetivos. O grau do esforço é entendido como diretamente correlacionado com o grau da habilidade, ou seja, quanto maior o esforço empregado em uma tarefa, maior a habilidade resultante.

Para os sujeitos com metas de desempenho, as dificuldades e o esforço indicam que não se é adequado. Assim, a auto-estima é ameaçada, favorecendo o aparecimento de diversas emoções. Se a adequação for questionada, a tendência é haver ansiedade com relação ao desempenho. Se ocorrerem julgamentos negativos em relação ao desempenho, a tendência é haver afeto depressivo. Se ocorrer postura defensiva em relação à situação, a tendência é haver aborrecimento e desvalorização da tarefa (Elliot & Dweck, 1988; Nussbaum & Dweck, 2008).

Por outro lado, para os sujeitos com metas de aprendizagem, as dificuldades indicam que a tarefa deve ser feita de outra maneira. Não indicam inadequação e, portanto, não há ameaça da auto-estima. Como o esforço é visto como o caminho para aumentar a habilidade, determinadas atitudes e emoções são favorecidas. Os sujeitos tendem a ser mais determinados e persistentes. Além disso, tendem a apresentar satisfação e orgulho pessoais pelo empenho (Elliot & Dweck, 1988; Nussbaum & Dweck, 2008).

Por que os sujeitos adotam metas diferentes? Outros estudos sugeriram que a adoção de metas diferentes está relacionada às diferentes concepções sobre a natureza das habilidades (Dweck & Leggett, 1988; Mangels et al., 2006).

Os sujeitos que apresentam metas de desempenho assumem que as habilidades, as características e os atributos pessoais são inerentes, ou seja, são estáticos e não podem ser mudados. Ao passo que os sujeitos que apresentam metas de aprendizagem assumem que as habilidades, as características e os atributos pessoais podem ser desenvolvidos, ou seja, são dinâmicos e podem ser mudados.

Aplicando à gagueira

Os sujeitos que compreendessem a fluência como uma habilidade inerente tenderiam a adotar metas de desempenho e, portanto, a reagir com desamparo frente às dificuldades de fluência. Seriam sujeitos que:

  • Acreditariam que a gagueira não poderia ser, de fato, melhorada;
  • Desejariam provar sua habilidade, exibindo a fluência e escondendo a gagueira;
  • Teriam dificuldades para assumir e aceitar a gagueira, porque isso significaria assumir que se é inadequado;
  • Sentiriam sua auto-estima ser ameaçada pela gagueira;
  • Entenderiam que o esforço para melhorar é inútil, além de ser prova adicional da pouca habilidade para falar;
  • Tenderiam a fugir de situações consideradas ameaçadoras;
  • Apresentariam altos graus de ansiedade com relação ao desempenho de fala;
  • Apresentariam afeto depressivo frente a julgamentos negativos;
  • Apresentariam aborrecimento e irritação com situações de fala consideradas difíceis;
  • Teriam a necessidade de amparar a imagem, enfatizando as habilidades em outras áreas;
  • Apresentariam redução do desempenho de fluência após dificuldades sucessivas.

Por outro lado, sujeitos que compreendessem a fluência como uma habilidade maleável tenderiam a adotar metas de aprendizagem e, portanto, reagiriam com maestria frente às dificuldades. Seriam sujeitos que:

  • Acreditariam que a gagueira poderia, de fato, ser melhorada;
  • Desejariam aumentar a habilidade de fluência;
  • Entenderiam que o esforço é o caminho para melhorar a fluência;
  • Sentiriam orgulho e satisfação pelo empenho;
  • Enfrentariam e buscariam situações desafiadoras;
  • Elaborariam hipóteses sobre como melhorar sua fluência;
  • Monitorariam os resultados;
  • Persistiriam frente às dificuldades;
  • Apresentariam pouca ansiedade com relação ao desempenho de fluência.

Conclusão

Acredito que os achados dos estudos de Dweck e equipe podem ser úteis para entender por que algumas pessoas lidam bem e outras lidam mal com a gagueira.

Para finalizar, segue um comercial peruano sobre o enfrentamento de medos.

 

Referências bibliográficas

Alm P. A. (2004). Stuttering, emotions, and heart rate during anticipatory anxiety: A critical review. Journal of Fluency Disorders 29 (2), p.123-33.

Diener, C. I. & Dweck, C. S. (1978). An analysis of learned helplessness: Continuous changes in performance, strategy and achievement cognitions following failure. Journal of Personality and Social Psychology 36, p. 451-462.

Diener, C. I. & Dweck, C. S. (1980). An analysis of learned helplessness: II. The processing of success. Journal of Personality and Social Psychology 39, p. 940-952.

Dweck, C. S. & Leggett, E. L. (1988). A social-cognitive approach to motivation and personality. Psychological Review 95 (2), p. 256-273.

Elliott, E. S. & Dweck, C. S. (1988). Goals: an approach to motivation and achievement. Journal of Personality and Social Psychology 54(1), p. 5-12.

Guitar, B. (1997). Therapy for children’s stuttering and emotions. In: Curlee, R. F. & Siegel, G. M. (eds). Nature and Treatment of Stuttering: new directions. 2nd ed. Boston: Allyn and Bacon. p. 280-291.

Mangels, J. A.; Butterfield, B.; Lamb, J.; Good, C. & Dweck, C. S. (2006). Why do beliefs about intelligence influence learning success? A social cognitive neuroscience model. Social Cognitive and Affective Neuroscience 1 (2), p. 75-86.

Nussbaum, A. D. & Dweck, C. S. (2008). Defensiveness versus remediation: self-theories and modes of self-esteem maintenance. Personality and Social Psychology Bulletin 34 (5), p. 599-612.

Prins, D. (1997). Modifying stuttering - the stutterer’s reactive behavior: perspectives on past, present, and future. In: Curlee, R. F. & Siegel, G. M. (eds). Nature and Treatment of Stuttering: new directions. 2nd ed. Boston: Allyn and Bacon. p. 335-355.


   
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