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Características das Palavras Gaguejadas no Português Brasileiro - Um estudo de 20 anos Anelise Junqueira Bohnen[1] Gagueira usualmente inicia ao redor dos três anos de idade, durante o período da aquisição da linguagem, quando as habilidades fonoarticulatórias são adquiridas e expandidas. Isso não é uma simples coincidência. Há muitas conexões e interações entre o desenvolvimento da linguagem e a emergência da gagueira na criança. As características das palavras gaguejadas por adultos e crianças falantes do Português Brasileiro, foram estudadas com os seguintes objetivos: 1) investigar: 1.a a localização das gagueiras nas palavras; 1.b a quantidade de sílabas das palavras mais gaguejadas; 1 c se as gagueiras predominam em sílabas tônicas ou átonas; 1.d as tipologias mais frequentes; 1.e a influência do gênero e da faixa etária. 2) verificar o efeito do tempo nas características das palavras gaguejadas. O período investigado foi de 1986 a 2005, divididos em quatro quinquênios: 1986-1990; 1991-1995; 1996-2000 e 2001-2005; 3) verificar as semelhanças e diferenças entre hesitações e gagueira; 4) desenvolver uma metodologia facilitadora da transcrição e da análise de frequência das palavras coletadas.
Metodologia Foram transcritas as primeiras 100 palavras faladas, na primeira entrevista, por sujeitos sem tratamento prévio, totalizando 12.000 palavras faladas por 60 adultos e 60 crianças, das quais 1.326 eram gaguejadas. Um programa de Semântica Eletrônica foi criado para verificar a frequência das ocorrências. Todas as palavras gaguejadas foram analisadas individualmente de acordo com os objetivos. Os testes e análises estatísticas realizados foram os de Kruskal-Wallis e Mann-Whitney.
Resultados A. O que se mostrou relevante é que 97% das gagueiras ocorreram nas primeiras sílabas das palavras e que 48% dessas palavras são monossilábicas como preposições e conjunções, verbos e pronomes pessoais. B. Entre as tipologias, bloqueios e repetições foram mais frequentes do que prolongamentos. C. Nenhuma diferença significativa foi revelada pela análise estatística entre as outras variáveis investigadas. Não é relevante se a palavra gaguejada tem poucas ou muitas sílabas, se as sílabas são tônicas ou átonas, se são faladas por crianças ou adultos, femininos ou masculinos. D. O passar do tempo também não influenciou a gagueira nas palavras. As características das palavras gaguejadas em 2005 são as mesmas das palavras gaguejadas em 1986. E. Entre hesitações normais e gagueira, as semelhanças foram menores que as diferenças. Hesitações ocorrem entre palavras e gagueiras ocorrem dentro das palavras. F. O programa de Semântica Eletrônica se mostrou altamente facilitador para a análise da frequência das palavras coletadas.
Discussão Crianças com atraso no desenvolvimento da linguagem não são normalmente fluentes. Apresentam mais hesitações e disfluências gaguejadas, como repetições de parte de palavras, do que o esperado para crianças em processo de desenvolvimento normal de linguagem. Dos referenciais teóricos se pode inferir a existência de um continuum que envolve o desenvolvimento, a proficiência e a fluência da linguagem em múltiplas populações. A gagueira só aparece depois que a criança inicia a falar, muitas vezes após um período de produções fluentes e, se não tratada, tem fortes tendências a permanecer. As implicações clínicas dos achados desta investigação são evidentes. Primeiro, porque a regularidade e a consistência das características das palavras gaguejadas encontradas nesta investigação, são significativas o suficiente para concordar com os teóricos que entendem que linguagem e gagueira têm as mesmas raízes. Para se entender a gagueira, assim como para entender a sua distinção das hesitações normais, necessariamente tem que se entender a linguagem. Falhas na ativação normal do lobo temporal podem ou contribuir para ou resultar na quebra da sequência do processamento da fluência entre a área pré motora e a área de Broca. Essa quebra é obviamente intermitente e pode ser modificada através de estratégias terapêuticas de indução à fluência. Segundo, ao não se encontrar diferenças estatísticas entre as várias relações investigadas pode-se entender que as palavras gaguejadas são produzidas de forma semelhante em adultos e crianças, em homens e meninos e mulheres e meninas, e é assim de tal ordem que pessoas que gaguejaram no ano de 2005, o fizeram da mesma forma que as que gaguejaram no ano de 1986. Clinicamente, saber que as palavras gaguejadas ocorrem predominantemente em vocábulos pequenos, que se localizam nas primeiras sílabas das palavras em 97% das vezes, que se constituem em boa parte de preposições e conjunções, qualifica o processo de avaliação e possibilita o desenvolvimento de procedimentos terapêuticos mais adequados. O que também é significativo e valoriza os achados desta investigação é que as comparações foram feitas somente entre pessoas que gaguejam. Boa parte do relatado na literatura procura encontrar as distinções entre falantes fluentes e falantes não fluentes. Ao comparar as características das palavras gaguejadas por adultos e crianças, femininos e masculinos, produzidas num intervalo de tempo de duas décadas, a estabilidade e a regularidade da gagueira se tornaram evidentes. Essa regularidade não é das pessoas que gaguejam. É a regularidade desta habilidade humana chamada linguagem.
Conclusões
Considerações finais “A variabilidade da gagueira é frequentemente desconcertante para o ouvinte e misteriosa para a pessoa que gagueja” (Alm, 2006). Ao final da investigação, conclui-se que, dentro da variabilidade, que é individual, há mais do que suficiente estabilidade e regularidade nas palavras gaguejadas por crianças e adultos para caracterizar a gagueira como um distúrbio de linguagem.
Observação: Esses dados são resultados da tese de doutoramento em Linguística Aplicada do Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Para os interessados em uma maior profundidade e no referencial teórico, entrar neste endereço: http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/21569/000730478.pdf?sequence=1 [1] Fonoaudióloga clínica. Doutora em Linguística Aplicada pela UFRGS, com tese sobre gagueira. Mestre em Fonoaudiologia pelo Ithaca College. Especializada em Gagueira pela Fundação Americana de Gagueira e Northwestern University. Presidente do IBF. |
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