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É no contexto das políticas públicas que surgiu, no Brasil, a primeira ação afirmativa relacionada à gagueira. O deputado estadual Diogo Tita (PPS-MS) propôs um projeto de lei para que pessoas com gagueira paguem apenas a metade do valor de sua conta de telefone celular. O projeto foi aprovado no Mato Grosso do Sul e a lei está em vigor desde 2009 (lei nº 3.770, de 4 de novembro de 2009). A proposta foi apresentada em outros Estados. A popularmente chamada “Lei do Gago” é uma ação afirmativa do tipo reparatória, tendo em vista que propõe um tratamento diferenciado para aqueles que gaguejam (cf. Moehlecke, 2002). Ponto positivo - Esta é a primeira vez, no Brasil, que a gagueira é alvo de uma ação afirmativa. É, portanto, um momento histórico para todos os envolvidos na causa da gagueira. Este pequeno passo inicial pode ser visto como um significativo movimento em direção a outros projetos tão necessários (como o atendimento precoce da criança que gagueja, porque sabemos ser possível sanar ou amenizar muito a gagueira enquanto ainda é incipiente). Pontos a serem discutidos - A lei pode ser entendida como inconstitucional, porque apenas a União tem competência para legislar sobre os serviços de telecomunicações. A criação deste tipo de lei pelos Estados viola o Art. 22, IV, da Constituição Federal. O presidente da Assembleia Legislativa da Bahia, por exemplo, arquivou o projeto da “Lei do Gago” exatamente com o argumento de que é um projeto inconstitucional (leia a matéria). Além disso, o Supremo Tribunal Federal tradicionalmente revoga leis elaboradas pelos Estados sobre os serviços de telecomunicações (veja exemplo). - É sabido que pessoas que gaguejam podem ter dificuldades marcantes para utilizar o telefone. Os motivos expressos para a não-utilização costumam ser a piora da gagueira ao telefone, o medo de gaguejar, a vergonha por gaguejar ou a lembrança dolorosa de telefonemas em que a gagueira ocorreu de forma acentuada. Ou seja, a popularmente chamada “Lei do Gago” não vai ao encontro a uma real necessidade de quem gagueja. Oferecer desconto no valor da conta telefônica não vai ajudar as pessoas que gaguejam a falarem com mais facilidade ao telefone. - A proposta parte da premissa de que a conta telefônica de um falante com gagueira é mais cara em comparação a um falante sem gagueira. Mas isso não necessariamente é verdadeiro. Como muitos dos que gaguejam evitam utilizar o telefone, suas contas telefônicas podem ser, paradoxalmente, até mais baratas em comparação com as contas de quem não gagueja. - Se a conta telefônica de uma pessoa com gagueira for cara, isso ocorre necessariamente devido à gagueira? Não. A conta de telefone pode ser alta, não porque o indivíduo gagueja ao telefone e, sim, porque é muito falante. - O projeto de lei estabelece que qualquer pessoa que gagueja pode se beneficiar de desconto na conta telefônica do celular. Isso inclui pessoas com gagueiras discretas e leves e também pessoas que gaguejam das classes econômicas A e B. Essas pessoas devem ter direito a esse desconto ou isso seria a concessão de um privilégio? - O valor do desconto é questionável. O desconto de 50% é justo apenas quando a pessoa necessita do dobro de tempo para falar quando comparada com alguém que não gagueja. Se levar mais ou menos tempo, o valor do desconto é injusto (Nunes, 2012). Através do uso de softwares de análise fonético-acústica, pode-se determinar a porcentagem exata ocupada pela gagueira ao longo do tempo de fala. - O direito ao desconto também não deveria valer para aqueles que telefonam para pessoas que gaguejam? Afinal, eles estariam pagando injustamente pela gagueira de outra pessoa (Nunes, 2012). - A proposta não estabelece seu período de vigência. Ações afirmativas são, por definição, temporárias. Conclusão O Instituto Brasileiro de Fluência é simpático a medidas de ação afirmativa que busquem proteger os direitos das pessoas que gaguejam. A chamada “Lei do Gago” é um passo importante neste sentido. Entretanto, como apontado acima, o projeto de lei apresenta uma série de problemas que precisam ser levados em consideração pelos legisladores.
Bibliografia BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Escrito por: Drª Sandra Merlo (diretora científica do IBF) |
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