Características > Caracterização da gagueira

Sandra Merlo
Fonoaudióloga
Instituto Brasileiro de Fluência - IBF

 

A gagueira está codificada na Classificação Internacional de Doenças (CID-10) com os caracteres F98.5. Desta forma, a gagueira é cientificamente considerada como distúrbio ou transtorno de fluência da fala.

O problema central na gagueira consiste em uma dificuldade do cérebro para sinalizar o término de um som ou uma sílaba e passar para o próximo. Desta forma, a pessoa consegue iniciar a palavra, mas fica presa em algum som ou sílaba (geralmente o primeiro) até que o cérebro consiga gerar o comando necessário para dar prosseguimento com o restante da palavra.

Acredita-se que as estruturas cerebrais envolvidas com a gagueira sejam os núcleos da base, os quais estão envolvidos com a automatização de tarefas (dirigir, calcular, escrever, falar, etc.). Portanto, a dificuldade central na gagueira estaria em uma automatização deficiente dos movimentos de fala.

Geralmente a dificuldade do cérebro em gerar comandos para terminar um som ou sílaba no tempo previsto manifesta-se externamente como bloqueios, prolongamentos e/ou repetições de sons ou sílabas. Entretanto, também é possível que as manifestações externas não ocorram ou ocorram muito pouco, caracterizando o que é conhecido como gagueira encoberta. A gagueira encoberta ocorre com pessoas que são extremamente hábeis no uso de certas estratégias linguísticas como, por exemplo, substituição de palavras, mudança na ordem das palavras, circunlocuções, uso de marcadores discursivos (olha, bom, então, etc.), uso de pausas preenchidas (éh, ãh), evitação e fuga de determinadas situações ou pessoas. Essas estratégias são utilizadas com maestria pelas pessoas com gagueira encoberta, mas seu uso não está restrito a elas: virtualmente todas as pessoas que gaguejam utilizam algumas estratégias para ocultar ou minimizar a ocorrência externa da gagueira na tentativa de lidar com o distúrbio e de diminuir o estigma social.

Em relação à fala, os núcleos da base atuam principalmente em situações de fala espontânea, especialmente quando a mensagem apresenta grande conteúdo. O envolvimento dos núcleos da base tende a diminuir em situações que não envolvem fala espontânea (exemplos: cantar, falar com outro sotaque, falar de forma silabada, falar no ritmo de um metrônomo, ler em coro) e também em situações em que há pouco conteúdo na fala (exemplos: falar com animais, falar com crianças pequenas, falar sozinho): é por isso que essas situações geralmente induzem a fluência em pessoas que gaguejam. Muitas pessoas acreditam que a gagueira é um distúrbio emocional ou psicológico justamente porque ocorrem essas variações de fluência. Entretanto, a gagueira é um distúrbio neurológico e as variações de fluência podem ser explicadas pelo maior ou menor envolvimento dos núcleos da base na fala.

Além disso, o envolvimento dos núcleos da base na gagueira é compatível com a idade de início do distúrbio: geralmente entre 2 e 3 anos. Nesta idade, os circuitos dos núcleos da base estão em pleno desenvolvimento e há grandes alterações na concentração dos receptores D1 e D2 de dopamina (a dopamina é o principal neurotransmissor dos núcleos da base).

A gagueira é involuntária, ou seja, a pessoa que gagueja não tem controle sobre a sua fala e não consegue evitar a ocorrência da gagueira, por mais que se esforce.

Além dos sinais externos, a gagueira também está associada com um grande sofrimento interno, porque a pessoa tem o que falar, sabe o que falar, mas não consegue. Desta forma, geralmente ocorre uma forte reação à gagueira, porque ela interfere na comunicação e nos desempenhos escolar e profissional.

   
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